terça-feira, 26 de outubro de 2010

a tertúlia na andaluzia com o sindicato de obreros del campo SAT/SOC


No fim-de-semana do 5 de Outubro tivemos a oportunidade de visitar alguns projectos andaluzes que se constituem com uma forma de organização diferente da maioria daquilo que conhecemos, tendo como traço comum a importância dada à organização democrática horizontal. Visitámos o SOC/SAT (Sindicato de Obreros del Campo e del Medio Rural de Andalucia/ Sindicato Andaluz de Trabalhadores), o município de Marinaleda e a cooperativa La Verde de Villamartín.

Partimos de Lisboa no Sábado de manhã e chegámos a Benamahoma ao final da tarde, onde ficámos alojad@s em casa de um companheiro conhecido de viagens anteriores. Uma recepção calorosa e pouco depois já estávamos à volta da mesa a beber vinho de produção local e a definir pormenores da nossa visita.

Domingo visitámos o rancho do Bartolo com as suas cabras, das quais retira o leite com que faz o tradicional queijo. O Bartolo é um homem de 86 anos que apesar da idade mantém intacta a lucidez política. Ele e o seu irmão, onze anos mais novo, contam-nos aquilo que acham da actual crise económica, indo muito além do que estamos habituad@s em terras lusas, através do questionar profundo do papel da banca e dos partidos políticos na actual crise. Para estes homens a especulação financeira, o papel da banca e do poder político no despoletar da crise são evidências que conhecem e discutem com profundidade exemplificando com o que se passou em Espanha. Depois da visita ao rancho, descemos da montanha e rumámos a Cádiz. A tarde de Domingo foi para visitar a cidade e apanhar sol na praia.

Na segunda-feira visitámos Marinaleda, onde o compa Rafa nos conduziu numa visita à povoação, respondendo as todas as nossas questões e abrindo-nos a porta de sua casa para que pudéssemos ver como são as casas auto-construídas de Marinaleda. Visitámos primeiro o Ayuntamiento, o orgão de poder local mais próximo das populações, algo como a junta de freguesia em Portugal. Aquilo que logo saltou à vista foi ver o gabinete do presidente, que em Portugal muitas vezes está pouco acessível, situar-se mesmo à entrada, de porta aberta. A sensação de proximidade e disponibilidade foi imediata. O nosso guia disse-nos que mais que uma sensação, a proximidade das pessoas com o governo da sua terra é real, pois sempre que necessário são convocadas assembleias-gerais para decidir sobre questões importantes no município. A qualquer pessoa é permitida a participação na assembleia.

Em seguida visitámos a cooperativa, onde de momento se processam os pimentos, e depois a quinta El Humoso, cujos 1200 hectares produzem tudo aquilo que a cooperativa vende, maioritariamente pimento, alcachofra, azeitona, azeite. A mecanização é evitada enquanto geradora de desemprego. Não deixam contudo de existir algumas máquinas, pois a cooperativa compete no mercado livre, onde as preocupações com o emprego e a qualidade de vida das pessoas são um valor subalterno.

Apesar do que já dissemos noutros textos sobre Marinaleda e o SOC, convém recordar que estes 1200 hectares que dão trabalho a 500 pessoas com um salário diário de 47€ são geridos de forma directa. Foram conquistados a um latifundiário que empregava apenas quatro pessoas deixando as terras ao abandono enquanto a população à volta morria de fome. Através da ocupação das terras e subsequente luta, foi possível devolver a terra à população para benefício de todos.

Ao voltarmos do campo, fomos almoçar no bar da União Local do SOC. Debaixo de uma aparência normal surgiam pequenos indícios de que algo diferente ali se passa. Algumas pessoas envergavam camisetas, ou t-shirts, com frases alusivas a outras lutas, como o caso dos Zapatistas no México. Se em Portugal isto também acontece, não acontece certamente com pessoas maduras do campo mas apenas com jovens activistas citadinos. Aqui, em Marinaleda, o sonho contínua vivo em todos e presente na realidade quotidiana. Outro indício foram os dois cartazes com informação alusiva à povoação. Um abordava os Domingos Vermelhos em que a população se reúne para trabalhar em conjunto em benefício da sua terra de acordo com o decidido em assembleia. O outro era um Pai Nosso camponês, em que se exaltava o amor à terra andaluza.
Findo o almoço, foi tempo de nos reencontrarmos com o Rafa para conhecermos as casas auto-construídas. Sendo ele um dos habitantes dessas casas, pode explicar-nos em primeira mão como funciona esta proposta habitacional. Qualquer pessoa que viva em Marinaleda há pelo menos quatro anos se pode candidatar a uma destas habitações. Se escolhida compromete-se a colaborar na construção da sua habitação, desde o seu início até que termine. Finda a construção, fica a pagar uma renda mensal que ronda os 15€ durante 20 anos. Para evitar especulação com a habitação, não é possível pagar adiantada a mensalidade e ficar com a propriedade da casa. O terreno de implantação é cedido pelo Ayuntamento e os materiais pela Junta da Andaluzia. As casas têm todas os mesmos traços gerais, para normalizar os gastos, sendo depois cada pessoa livre de acrescentar ou modificar partes da estrutura. A casa padrão tem cozinha, sala e quintal na zona térrea e três quartos no primeiro andar. Pareceu-nos um local aprazível para se viver, a preços muito acessíveis, sendo a habitação realmente um direito de quem vive em Marinaleda.

Terminado o tempo de visita, que foi muito mais curto do que aquele que nos permitiria entrar nos pormenores, rumámos em direcção a El Coronil para visitar o Centro Obrero Diamantino Garcia onde reúnem os activistas do SOC. Aqui explicaram-nos como o sindicato funciona e a experiência que têm tido com a actividade partidária. De lembrar que nos anos 80 o SOC criou um partido político, a CUT – Colectivo de Unidade dos Trabalhadores, que se inseriu numa plataforma de movimentos de esquerda, todos agrupados sob o nome de Izquierda Unida. À semelhança de Marinaleda, as decisões mais importantes são tomadas em assembleia geral, de certa forma como acontece com as cooperativas em Portugal, mas com a diferença de que na Andaluzia, fruto da cultura local, existem de facto inúmeras assembleias por ano. Enquanto El Coronil foi um município dirigido pela CUT manteve-se a mesma forma de funcionamento do SOC, sendo os/as vereadores/as eleitos/as executantes da vontade popular.

Um facto importante que nos foi relatado é a dificuldade existente em activar as camadas mais jovens da população, já que estas se apresentam na maior parte das vezes desinteressadas da luta política - política, não partidária, convém sempre frisar – a luta que lhes permitiu melhorar as suas condições de vida e permite ir respondendo aos ataques do capital, do despovoamento e da alienação. Mesmo assim o SOC tem feito inúmeros workshops sobre sindicalismo dirigidos aos mais jovens.

Outra experiência iniciada pelos vereadores ligados ao SOC foi a das hortas comunitárias para reformados. O município cedeu terrenos aos reformados que podem assim ocupar o seu tempo livre cultivando produtos hortícolas.

Finda a visita, voltámos à nossa base em Benamahoma, para a última noite antes do regresso e para conversas descontraídas à volta de música e vinho.

Terça-feira, foi o dia de visitar o último local a que nos tínhamos proposto, a cooperativa La Verde de Villamartín, onde uma acção de florestação há alguns anos torna possível um ambiente fresco mesmo em dias de sol outonal ainda quente. Espreitámos a estufa com as pequenas plantas a nascer, vimos o banco de sementes e conversámos com as duas padeiras, que preparavam a massa, cerca de 70 quilos, para vir a ser cozida no forno tradicional e que dará para os pedidos que lhes foram encomendados.


Foram horas mais descontraídas, em que o caminho de regresso e os planos que queríamos alinhavar nos começavam a ocupar mais a mente. Tempo de despedida de quem nos abriu as portas das suas casas e nos mostrou o espírito que anima os seus afazeres diários. Última oportunidade para nos imbuirmos desse mesmo espírito, dessa mesma garra e trazê-la para Portugal, para inspirar toda a gente que neste lado deseje construir uma vida assente na emancipação, participação e solidariedade.

sábado, 16 de outubro de 2010

Por uma globalização favorável aos povos

UMA GLOBALIZAÇÃO FAVORÁVEL AOS POVOS, NÃO AO CAPITAL
O que constitui, de facto, a era actual da globalização? Há muito quem entenda que o ponto de partida da globalização é o intenso comércio entre as nações, intensificado pela abertura das fronteiras e o embaratecimento dos transportes. Mas o comércio entre as nações já existe desde que o capitalismo se tornou um sistema mundial. A particularidade que possui a actual fase capitalista, na área económica, prende-se com a chamada deslocalização e livre movimento de capitais, e, por isso mesmo, de investimentos. A deslocalização permite uma modificação estrutural: passar de uma lógica de intercâmbio comercial para uma estratégia estabelecida pelas companhias multinacionais, É assim possível sair de uma lógica de relações internacionais entre as nações para uma lógica das companhias multinacionais, e para uma forma nova de elaboração das mercadorias. Agora já não é só o capital que não tem pátria, também as pátrias não têm capital; uma parte das mercadorias são elaboradas num país e outras partes são-no noutros países.
Foi despedaçado o antigo espaço homogéneo do capital e do trabalho. O capital adquire cada vez mais uma característica fluida que o torna na aparência impossível de ser apreendido, a confrontação entre o trabalho e o capital encontra-se mediada por uma rede de complexas relações mercantis e por um aparelho jurídico que muitas vezes conseguem a sua diluição, mas, no entanto, a exploração existe como nunca na história.
Com tudo isto, o desenvolvimento capitalista, a burguesia nacional, o mercado interno, o capitalismo nacional, uma aliança entre as classes sociais, não são mais, actualmente, do que aspirações ultrapassadas e sem sentido. A pergunta que tem de se fazer não é, portanto, o que fazer com os pobres, mas sim como é que nos desembaraçamos dos ricos. Não são muitos e têm poucas raízes sociais.
Segundo informa o organismo da ONU para a alimentação, a FAO, cerca de 900 milhões de pessoas sofrem fome no mundo. Em cada 4 segundos morre uma criança, quer dizer que morrem 7.784.000 por ano. Na verdade, vivemos uma espécie de guerra mundial do capital contra as crianças. Enquanto isto, os gastos militares entre 2002 e 2007 foram de 2 biliões 1444 mil milhões de dólares e gastam-se anualmente 13 mil milhões de dólares na compra de perfumes nos EUA e na UE
Como dizia Segismund Freud, o estado tem o monopólio da injustiça. O estado proíbe um indivíduo de fazer uso da injustiça, não porque queira aboli-la, mas sim porque quer monopoliza-la. O estado beligerante permite-se todas as injustiças, todos os atropelos que desonrariam um indivíduo.
A globalização vigente foi facilitada pelos diversos estados, que atapetaram o percurso às empresas multinacionais, com uma desregulação e legislação feitas á medida para que as companhias possam aproveitar as necessidades e as diferenças existentes entre as diversas nações, de forma a reduzirem os custos e aumentarem os proveitos. Essas companhias sabem perfeitamente tirar partido de custos salariais mais reduzidos, assim como de leis laborais mais favoráveis ao capital, créditos mais baratos e incentivos variados, acompanhadas de legislação laboral, fiscal, ambiental, de expatriação de capitais e outras, que reflectem uma competição entre os estados para atrair o capital.
Tentar opor a esta realidade, um capitalismo nacional, tão ou mais explorador que o internacional, não tem sentido e chega a ser reaccionário. As empresas “nacionais”, são elas também internacionalizadas através das dependentes relações financeiras, económicas, comerciais, tecnológicas, entre outras.
O povo trabalhador para se emancipar terá de combater o poder das companhias multinacionais, que constituem o coração do capitalismo e necessita de gerar uma frente de apoio mútuo e solidariedade internacional com os seus colegas de outros países. Como resposta ao poder do capital, que se internacionalizou e tem uma estratégia global., as lutas nacionais terão de assumir uma atitude adequada, adoptando uma perspectiva internacionalista. A nossa luta é semelhante à dos trabalhadores franceses, dos camponeses espanhóis ou dos grevistas gregos. O adversário é o mesmo e hoje, quando na Europa o capital ataca os trabalhadores de toda a UE, não faz distinção de nacionalidades. Os capitalistas e os estados sabem que não lhes chega agravar a exploração dos trabalhadores de um só país europeu, tal agravamento só faz completo sentido se explorarem mais todos os outros. A igualização que eles pretendem é destruir por igual tudo aquilo que foi conseguido ao longo dos tempos através dos combates do proletariado. O que essa corja pretende é nivelar por baixo. O pretexto é a crise, a crise que eles criaram com as suas especulações e ambição, e agora exigem que sejamos nós a pagá-la. Mas não se ficam por aqui, com o apoio dos diversos governos, procuram retirar-nos tudo aquilo que tanto nos custou a conquistar.
Perante semelhantes manobras teremos de responder com uma luta enérgica, uma luta de carácter internacionalista. Através de processos que nos liguem aos nossos colegas da UE, que estão sofrendo os mesmo ataques que nós e a todos os trabalhadores do mundo.
Apenas uma globalização dos trabalhadores, do povo em geral, poderá vencer esta guerra, que os “senhores” do capital e do estado nos declararam. Estamos fartos do seu domínio, da sua exploração, da sua propaganda, dos seus papagaios, das suas guerras e das suas mentiras.
Queremos um mundo novo, livre e solidário. Só assim poderemos viver em paz. As guerras são uma consequência inevitável dos interesses do estados, agressivos pela sua própria natureza, e, hoje mais do que nunca, servos do capitalismo, que, de todas as formas, por mais cruéis que sejam, procura aumentar os seus lucros Como é o caso das guerras, de todas as guerras, que os povos sofrem, com as populações dizimadas e estropiadas e as cidades e os campos destruídos. Enquanto a guerra e a morte se abatem sobre os povos, os capitalistas lucram sempre! Através dos negócios de guerra em que se envolvem e ninguém controla, e com a militarização do trabalho e de toda a sociedade, em que todos somos obrigados a obedecer sem recalcitrar. A guerra é um benefício para o capital, por isso as guerras não cessam.
A essa estratégia de guerra teremos de opor uma bússola para a paz. Começando por estabelecer contacto e apoio mútuo com os nossos colegas estrangeiros e deste modo apercebermo-nos que também eles vivem situações semelhantes à nossa. Também eles são submetidos ao domínio e exploração do capital e restringidos na sua liberdade quando o estado bem entende.

A solidariedade internacionalista é o caminho que teremos de seguir para nos opormos consequentemente à guerra que nos foi declarada pelo estado e pelo capital. E só através dessa solidariedade será possível atingir a paz.
Texto distribuido na iniciativa Vamos à Luta que decorreu quinta-feira no Largo de S. Domingos em Lisboa.